terça-feira, 13 de abril de 2010

[Crónica] Os Tradutores - Tiago


O tema «Tradução» é dos mais subiu na minha ordem mental de importância nos últimos tempos. Há alguns anos, quatro ou cinco, desde que comecei a ler livros estrangeiros - acho que com o livro Eragon. Ora Eragon foi escrito por Cristopher Paölini. Adorei o livro, na época, fez-me abrir os horizontes literários, fez-me aprender a gostar de ler, gostar de entrar numa livraria e comprar um novo livro que gostasse. Devo muito ao livro. Até hoje, não pensei sequer na questão de quem o traduziu. Vou ali buscar o livro... cá está.

Escondido, na página dos créditos, em letra pequena, entre a autoria do Design da Capa e a da Composição Gráfica, o nome da tradutora: Andrea Alves Silva. Anos depois de ter lido um dos livros que mudou a minha vida, sei o nome da pessoa que o traduziu. Inesperadamente, descubro por acaso que a mesma senhora traduziu também "A Libertação do Tigre", de Kate diCamillo, livro infantil/juvenil que li também há muito tempo e gostei. Isto para chegar exactamente onde...? À discriminação que sofrem os tradutores portugueses de livros estrangeiros.

Em sites de editoras podemos pesquisar por "Obra", "Autor", "ISBN", "Preço", etc, etc... nem em um só dos que consultei encontrei o separador "Tradutor". Nos livros que lemos a grande maioria ESCONDE o nome do tradutor em letras pequenas na página dos créditos. Nunca vi tradutores sentados em mesas nas Feiras do Livro de Lisboa, para partilharem experiências com os leitores. As pessoas lêem livros inteiros, podem ficar a adorar um determinado, e no entanto não sabem o nome da pessoa que o traduziu. E se a questão não parece grave, passo a explicar porque é que É:

É que os tradutores, na minha sincera opinião, têm o duplo trabalho de um autor. Primeiro, são privados do processo criativo de construção de enredo, no qual reside grande parte do gozo de um autor ao escrever. Segundo: além de terem de reescrever todo um livro de uma língua para outra, têm de tentar encontrar o estilo do autor e passá-lo com veracidade para um país com outras expressões e sentimentos. Há que encontrar uma equivalência no estilo, na forma de escrever, há que reeiventar todo um método de escrita. E depois, basta pensar que cada palavra de um livro traduzido que lemos foi escolhida pelo tradutor especificamente, aquele sinónimo particular. Uma má tradução pode estragar um excelente livro. O mesmo ao contrário - um livro pouco razoável pode ser salvo por uma tradução habilidosa.

Não estou ligado a tradução de maneira alguma, nunca fiz nada que se parecesse, mas fico contente quando vejo certas e determinadas iniciativas: a editora AHAB decidiu, e tão bem, colocar em todas as capas dos seus livros o nome do tradutor com o devido destaque; blogs literários que colocam na lista de características de um livro a parcela 'Tradução de:', e os referem nas críticas; e uma cada vez maior divulgação de alguns nomes da tradução nacional, nomeadamente de Jorge Candeias, já tão conhecido por cá entre os amantes da literatura fantástica.

É a ele e a Maria João Lourenço (tradutora de Haruki Murakami) que quero dedicar este post. Tenho a certeza que os autores que traduzem não teriam o mesmo impacto na língua portuguesa se não fosse a vossa ARTE. E também a Andrea Alves Silva, que já li há tanto tempo, mas só hoje "conheci". E a todos os Tradutores Anónimos que, escondidos em letras pequenas em páginas que passam ao lado na atenção, são alquimistas das letras, transformando todo um mundo de boa literatura internacional na nossa bonita Língua Portuguesa.

Vamos mudar esta realidade?

Tiago

7 comentários:

Célia disse...

Bom post, Tiago. Há uns tempos também chamei a atenção para esta questão no blog e continuo a achar que os tradutores não são alvo da merecida atenção. Mesmo que não possamos fazer muito mais do que isto, chamar a atenção, acho que sempre ajuda um pouco ;)

Landslide disse...

Concordo plenamente com tudo. Uma má tradução pode arruinar uma obra prima literária, enquanto uma boa tradução pode tornar a leitura de um livro mediano muito mais agradável.

Confesso que só comecei a prestar atenção à questão da tradução no secundário quando tive disciplinas de técnicas de tradução e me apercebi que não é uma tarefa assim tão literal quanto pensava.

Fico contente por ser um assunto para o qual se começa a dar mais importância pois julgo que se deve dar o devido crédito aos bons tradutores, assim como apontar as falhas aos maus, no sentido de pressionar as editoras a contratar bons profissionais que lhes garantam um produto final de qualidade.

Ana C. Nunes disse...

Foi depois de ler a entrevista ao Jorge Candeias que me dei conta de quão crucial era dar uma opinião sobre a tradução.
Confesso que já valorizava esse trabalho, e sempre que leio (e lia) um livro ia ver quem traduzia, mas é bom que cada vez apreciemos mais o trabalho destes "fantasmas" da literatura não nacional.

Jacqueline' disse...

Gostei muito da crónica, Tiago :)

Infelizmente, eu era das pessoas que pouco ligava às traduções, até há muito pouco tempo. Foi devido a posts como este que fiquei um pouco mais atenta a esta componente da literatura, que muitas vezes só se dá atenção quando se quer destacar um trabalho mal feito.

susemad disse...

A tradução é sem dúvida fundamental! Não é valorizada como deveria ser e muitas das vezes até nos esquecemos que só estamos a ler este ou aquele livro, porque o mesmo foi traduzido.

Parabéns por esta excelente crónica, Tiago. Está muito bem estruturada e elucidativa. Atinge os pontos críticos.

Jorge Candeias disse...

Bem, já disse ao Tiago via Facebook, mas digo também por aqui: Gostei muito da crónica. E muito obrigado. :)

Diana Sousa disse...

Sem querer denegrir o (muito) trabalho que os tradutores têm é verdade que nos últimos tempos tenho visto um crescente desleixo por parte deles. Não todos, claro, e apenas em algumas editoras.

Mas é verdade que há certos erros que passam, quer de gramática quer de escrita, e certas expressões que por vezes não são 100% correspondentes à versão original.

Claro que traduzir um livro não é trabalho pouco, e há certas coisas que escapam, acontece a todos. Mas é para isso que o revisor lá devia estar, para não deixar escapar estes erros. No entanto cada vez vejo mais linguagem leviana pelos livros, o que me faz perder um pouco a vontade de os ler na minha língua materna.

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